Tom Zé é gênio.
Gênio musical inventivo, que ventila a morosidade da vida.
Incrível a forma como concebe a música, seus arranjos — há mais riqueza na musicalidade do que na letra.
Mas a letra jamais deve: são ricas, poéticas.
Porém, quando se ouve Tom Zé, a primeira coisa que bate é a musicalidade inovadora, original, única.
Surpreendentemente normal.
Sem arroubos de experimentalismo.
Ele entrega sua música e bota na cara.
Não sei se vem daí o seu lado genioso — o cansaço de ver o desprezo do mundo midiático, esse das Globos e Folhas, que o tratam como um produto exótico.
O Tom Zé é gênio.
Será possível não entender isso?
Escutem músicas dele como o samba Tô e percebam como a ausência de som constrói a harmonia dessa canção.
Ouçam Augusta, Angélica e Consolação e entendam como o mínimo faz mais numa canção.
E como vibra!
Não estou explicando pra te confundir — como ele canta em Tô —
nem querendo transitar em busca de consolação,
quando o Largo dos Aflitos não tinha espaço pra sua aflição,
e na Estação da Luz estava tudo escuro no meu coração.
Viva Tom Zé.
Que já tá dando um Xiquexique.
Ouça XiqueXique — um forró dos brabos, em que a sonoridade inicial é feita através de um balão de ar sendo esfregado nos dentes.
Depois, um acordeon e um triângulo dão a intensidade do ritmo.
Uma introdução de dois minutos numa música de cinco — repetindo massivamente a batida envolvente.
Aí entra a voz abafada:
“Eu vi o cego lendo a corda da viola
Cego com cego no duelo do sertão
Eu vi o cego dando nó cego na cobra
Vi cego preso na gaiola da visão.”
E uma voz feminina em falsete ecoa.
Gemidos e elementos percussivos surgem.
Obra-prima.
Tom Zé, nascido Antônio José Santana Martins, em Irará, Bahia, no dia 11 de outubro de 1936, é um dos maiores inventores da música brasileira.
Formado pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, levou para sua obra o rigor da composição erudita e a espontaneidade popular do sertão.
Em 1968, lançou seu primeiro álbum, Grande Liquidação (RGE), onde já expunha, com ironia e genialidade, sua crítica à sociedade de consumo.
Participou, no mesmo ano, do histórico disco Tropicália ou Panis et Circenses (Philips), ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Os Mutantes.
Nos anos 70, criou alguns dos discos mais originais da MPB:
-
Tom Zé (1970, RGE), de caráter urbano e filosófico;
-
Se o Caso É Chorar (1972, Continental), uma joia de lirismo e humor;
-
Todos os Olhos (1973, Continental), seu disco mais polêmico e simbólico;
-
e Estudando o Samba (1976, Continental), considerado por críticos e músicos como uma obra-prima absoluta de desconstrução da forma e da tradição.
Em 1978, lançou Correio da Estação do Brás (Continental), um retrato da metrópole e da alienação moderna.
Nos anos 80, manteve sua produção com Nave Maria (1984, Continental), mas foi praticamente ignorado pela grande mídia.
A redescoberta veio no início dos anos 90, quando David Byrne (Talking Heads) lançou, nos Estados Unidos, a coletânea Brazil Classics Vol. 4 – The Best of Tom Zé: Massive Hits (Luaka Bop, 1990).
Dali em diante, o mundo voltou os ouvidos para ele.
Vieram obras notáveis como:
-
Com Defeito de Fabricação (1998, Trama), um estudo genial sobre o “homem-máquina”;
-
Jogos de Armar (2000, Trama);
-
Estudando o Pagode (2005, Tratore), uma opereta sobre o machismo e a mulher na cultura brasileira;
-
Vira Lata na Via Láctea (2014, Circus);
-
e Canções Eróticas de Ninar (2016, Circus).
Hoje, Tom Zé é reconhecido mundialmente como um dos mais originais e provocadores artistas da música popular.
Um inventor permanente.
Um pensador sonoro.
E, sim — um gênio.
🎧 Playlist com músicas selecionadas de Tom Zé:
Ouça aqui no Spotify

Nenhum comentário:
Postar um comentário