Christianne Neves
é pianista, compositora e diretora musical de talento expressivo. Sua musicalidade límpida e melodiosa tem o balanço e o suingue brasileiro moldado no coração da velha e boa São Paulo onde os ritmos do mundo fluem e influem. Seu teclado consegue mesclar com beleza vários elementos que por ela transpassam.
A bacharel em Direito que desde criança ouvia sua mãe tocar piano em sua casa e aprendia as primeiras notas com seu pai, num determinado ponto de sua vida nos anos oitenta fez a acertada opção de se dedicar integralmente a musica.
Começou tocando no Jóquei Clube de São Paulo e depois durante anos tocou na aclamada Orquestra HeartBrakers.
Desde então já se envolveu em projetos musicais ligados ao teatro, mantem-se ligada a Orquestra Havana Brasil, tem outro trabalho junto com a cantora Fernanda Porto, já se apresentou em vários pontos deste planeta e gravou três belíssimos álbuns : “Refugio” (2000), “Duas Madrugadas” (2004) e o recente “Eyin Okan”(2010). Este ultimo inspirando em ritmos africanos e dedicado ao percursionista Mestre Dinho, terá show de lançamento neste próximo dia 28 (21hs) na Sala da do Centro Brasileiro Britânico na Rua Ferreira Araujo, 741, Pinheiros, SP. O show é gratuito e traz o Christianne Neves Trio, Christianne no piano, Marcelo Calderazzo no baixo e Max Sallum na bateria, puro Jazz Brasileiro.
Para quem a acompanha desde o início da carreira Christianne é um talento reconhecido, para quem não a conhece e a conheceu a pouco, sem duvida é uma grata surpresa.
Christianne Neves é um dos talentos reluzentes da musica instrumental brasileira.
Leia a entrevista que fiz com ela recentemente e escute algumas de suas musicas.
“Pura Vida” (Christianne Neves), “Refugio”(2000)
1. Como você conheceu o piano, quando você começou a aprender a tocar piano?
Minha mãe estudou nove anos de piano e desde que nasci já havia o piano dela em casa. Ela tocava seus estudos clássicos e eu ouvia. Mas foi meu pai que me colocou sentada ao piano e com sua caneta tinteiro escrevia os números de 1 a 8 sobre as teclas de do ré mi fá sol lá si do, para que eu, muito pequena pudesse tocar as musicas do livrinho que continha às melodias indicadas com números acima das notas. Musicas como A Canoa virou, marcha soldado... Sei que didaticamente, não se toca com números, mas... foi esse meu começo. E depois de pouco tempo já não precisava de caneta tinteiro, nem dos números. Aos sete anos comecei a estudar piano e também ficava tirando as melodias de ouvido, sem partitura e sem números.
2. Como uma bacharelada em Direito saltou para a uma pós Graduação em Musica na Unicamp nos?
Não foi um salto mortal. Foram pequenos passos largos em direção à Música que se iniciaram dentro da Faculdade de Direito em 1986. Eu comecei minha atividade profissional como músico dentro da Faculdade, a partir de uma proposta de trabalho que veio de um amigo pianista, o Marcelo Gimenes, colega de São Francisco e hoje também músico que me propôs inaugurar o Piano Jazz do Jóquei Club em São Paulo. Trabalhávamos muito, dividindo a semana entre nós dois, pianistas em apresentações no Jóquei. A partir deste primeiro trabalho, minha carreira com música nunca mais parou. Formei-me em Direito, tenho minha OAB que uso para defender-me no mundo da música (risos!) Trabalhei nesta época com Teatro, já era Assessora musical da Cultura Inglesa e Diretora Musical dos musicais ali realizados, logo tornei-me professora do Clam (ZImbo Trio) , tudo neste período de 1986 em diante... desembocando num Estágio em Direção Musical em Londres, em 92, patrocinada pelo Conselho Britânico, seguido por vários outros trabalhos como pianista da Orquestra Heartbreakers etc... Daí em 2004, a vontade de fazer um trabalho acadêmico, Mestrado em Música de Cinema no exemplo de Dave Grusin. Quem tiver interesse, poderá ler minha tese na íntegra no meu site em www.christianneneves.com.br/release/curriculo.asp
3. Durante sua formação como pianista quais foram as suas principais influências?
Amilton Godoy do Zimbo Trio, Dave Grusin, Chick Corea, Bill Evans, Keith Jarrett.
“Chorinho da Dona Quiriquiqui” (Christianne Neves), “Refugio” (2000)
4. Tocar na Orquestra HeartBrakers, foi sua primeira experiência profissional como pianista? Que importância teve sua participação nesta orquestra?
Não. Minha primeira experiência profissional como pianista foi em 1986 no Jóquei Clube, como contei. Considero profissional, ser remunerado pelo ofício que realiza. O convite para a Orquestra Heartbreakers surgiu depois de uma temporada no Teatro Mars, em SP, em que eu atuava no elenco como pianista de “Histórias de Nova York” de Dorothy Parker, em 1994. Eu já havia feito o espetáculo Broadway Babies com Wellington Nogueira no Teatro Crowne Plaza e em 93 (e estamos em cartaz novamente depois de 18 anos!) e já havia dirigido pelo menos uns 10 musicais na Cultura Inglesa. A participação na Orquestra Heartbreakers foi fundamental na minha formação. Primeiro pela regularidade de trabalho e apresentações que a Orquestra propunha com vários shows semanais, turnês internacionais, viagens, projetos especiais, etc... Segundo, participar de uma banda grande com quatro metais, percussão, dois cantores, dentro de um estilo latino com o qual eu não era familiarizada (a salsa) foi excelente. Esta convivência durante anos com a Orquestra (1995 a 2000) teve tanta influência na minha vida profissional e pessoal que dentro do meu trabalho autoral, com meus três CDs, ainda vejo resquícios musicais em minhas composições vindos dessa época. Tive, também, a belíssima oportunidade de começar a escrever arranjos para a formação do Heartbreakers e vê-las tocadas no baile!
5. No que colabora em seu trabalho autoral estudar Regência de Orquestra, e como se dá o seu processo criativo?
Qualquer estudo relacionado à música sempre me agradou. Gosto muito de Direção Musical, acho que meu gosto pessoal para esta atividade é enorme e daí meu interesse por Regência. Ter estudado Regência de Orquestra por dois anos com o Maestro Roberto Farias na ULM, foi de extrema importância principalmente pelo contato com as obras de compositores eruditos tais como Stravinsky, Ravel, Berlioz, etc... A sonoridade destas obras abriu minha cabeça no sentido de apreciar outros timbres, combinações de instrumentos, influenciando-me na forma de compor, ouvir e arranjar. O meu processo criativo surge na maioria das vezes a partir de um estímulo, não necessariamente musical. Uma frase, um filme, uma emoção... tudo pode ser traduzido em música. Tenho várias composições nos meus três CDs que surgem justamente a partir disso. Ex. Paris (Cd Refúgio, 1998), 17 St. Thomas Road (Cd Duas Madrugadas, 2004), Quero ir embora (CD Eyin Okan, 2011) e tantas outras...
“17th St Thomas Road”(Christianne Neves), “Duas Madrugadas”(2004)
6. Como surgiu o seu primeiro Cd, o Refugio (1998), foi difícil produzir este trabalho?
Não foi difícil de maneira nenhuma. Na época em que resolvi começar a gravar eu era pianista da Orquestra Heartbreakers, trabalhava muito, o que me gerou um bom recurso para que eu mesma produzisse este cd. Como tudo que é primeiro, este cd, Refúgio, foi muto especial por materializar as minhas composições até então guardadas, esperando o momento de serem registradas. Os músicos me traziam uma enorme alegria com as suas participações, tais como o saudoso Luiz Chaves (baixista do Zimbo Trio), Sizão Machado, Tutty Moreno, Mestre Dinho e tantos outros... O Estúdio Zabumba foi um bálsamo para eu gravar este cd! O Ambiente, o astral, o André Magalhães, responsável pelo estúdio e pelas gravações foi maravilhoso! Tenho memórias realmente divinas da produção deste cd!
7. A Orquestra Havana Brasil é um grupo remanescente da Orquestra HeartBrakers, como se deu? Porque o nome Havana Brasil, vocês se dedicam mais a ritmos latinos como a salsa? E ainda hoje você nesta Orquestra?
Quando a Orquestra Heartbreakers em sua formação original foi desfeita, nós, os remanescentes (éramos todos da formação original menos dois músicos que resolveram não continuar) queríamos seguir com o trabalho. Havana Brasil era uma referência à Orquestra HB por possuir as mesmas inicias que HeartBreakers. E também a conexão de dois estilos musicais vindos de Cuba e Brasil. A orquestra tinha sim como proposta dedicar-se aos ritmos latinos seguindo a mesma linha musical da Orquestra Heartbreakers. Fiquei no Havana Brasil como pianista, compositora e arranjadora de 2000 a 2009. Após este período, busquei outros caminhos musicais, dedicando-se ao meu trabalho autoral e integrando a banda da cantora e compositora Fernanda Porto que me convidou para ser Diretora Musical de seu trabalho desde 2005 até hoje.
“Gnossienne i” (Christianne Neves) “Eyin Okan”(2010)
8. Este seu terceiro álbum (Eyin Okan) tem um referência africana, o que te inspirou?
Incrivelmente, como já mencionei anteriormente, verifico influências da parte rítmica, percussiva da Orquestra Heartbreakers e Havana Brasil em especial na figura do Mestre Dinho, percussionista, a quem dedico o meu último cd. O meu interesse pelo ritmo africano e suas raízes vem desde sempre e me levaram a pesquisar suas particularidades mais recentemente inspirando-me em definitivo para as novas composições de EYIN OKAN, que na língua africana yorubá, quer dizer: “Você no Coração”. Eu estudei percussão com o próprio Mestre Dinho aprendendo cada estrutura dos ritmos afra- latina e até hoje eu os incorporo em outros trabalhos em que atuo também como percussionista (vide shows com Fernanda Porto)
9. Como é o seu trabalho junto à cantora Fernanda Porto?
É um trabalho complexo, criativo, de parceria. Desde as composições feitas em parceria, inseridas em seus CDs tais como "Seu Nome na areia”, indicada ao Grammy em 2006, "Roda de Samba", "Tanto tempo faz", "Parece ser". até a possibilidade de estar no show como multi-instrumentista em que ambas tocamos vários instrumentos. Eu, cavaquinho, percussão que inclui timbales, bongo, pandeiro, surdo, dois teclados e ela sax, guitarra, violão, piano, tarol. Também atuo na direção musical como no DVD em que gravamos em 2006 com 20 músicos em cena, no antigo Tom Brasil em que pude dirigir e fazer arranjos para cordas, metais, etc.
10. Como você entende o seu trabalho dentro do cenário da musica brasileira, você entende seu trabalho como jazz?
Meu trabalho autoral? Entendo como uma expressão bastante pessoal a partir do que gosto dentro dos estilos musicais. Não é jazz, mas é nítida a influência deste estilo no meu trabalho, por conter muitas improvisações, na seção harmônica, na formação de piano, baixo, bateria, Uma vez na Europa me perguntaram qual era o nome do meu estilo. Preferiram chamá-lo de Jazz Brasileiro. Eu concordo em parte, mas acho que meu trabalho é mais amplo que esta definição. Ainda não encontrei o termo que o definisse. Tem gente que acha que Duas Madrugadas é world music e é fácil encontrá-lo catalogado dentro deste estilo na internet, pois ele contém influências e participação de músicos de outros países como a Escócia, Índia, etc. Mas só isso não seria suficiente para rotulá-lo nesse estilo não é?
“Quero Ir Embora” (Christianne Neves)
11. Sua musica trabalha com ritmos universais e ao mesmo tempo com ritmos brasileiros e é instrumental. Você sente que há uma maior recepção ao seu trabalho aqui no Brasil ou no Exterior?
Esta é uma questão complicada. Tenho um público no Brasil que aprecia meu trabalho, mas ele ainda é restrito como todo público de música instrumental. Acho que a diferença é o preparo da plateia no Brasil e no exterior. Pela minha experiência, minhas apresentações em particular na Espanha me surpreenderam pelo comportamento do público, que se traduz em respeito pelo artista. Não se ouve um barulho na plateia, as pessoas valorizam, apreciam... Ganhei até um pedaço de bolo de uma senhora da plateia que disse ter recebido tanto pelo Concerto e não sabia o que me dar em troca... Na Escócia, durante meu concerto de lançamento em 2002 com o Cd Refúgio, também foi surpreendente a quantidade de matérias nos jornais e mais uma vez a receptividade do público. Lá, a plateia não precisa ser educada, eles já estão prontos há anos para ouvir... É um esforço que não precisa ser feito. Ter a certeza de que você vai tocar e ser ouvido é o que faz a grande diferença. No Brasil, muitas vezes, a hora do solo do pianista ainda é momento de se abrir um pacote de bolachas... como já aconteceu ...E ter o trabalho e o esforço de dizer para o público que não se deve fazer isso .. é ainda bastante primitivo... Nesse sentido o europeu está infinitamente à frente do Brasil. em termos de educação e respeito. Apresentei-me em Londres para quatro classes de crianças de 8 a 12 anos, em piano solo. Não ouvi absolutamente nenhum barulho durante a meia hora de concerto. E ainda elas foram pra classe fazer trabalho sobre o que tinham ouvido e discutir sobre a música que tinha sido apresentada. E ainda me deram um pacote de chocolate belga em agradecimento! It´s amazing!
Um comentário:
Paul
Que bacana! Não conhecia a Christianne e adorei o som dela. Figuraça!
Valeu a entrevista.
ab.
Sergio
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