Nos anos 1970, o mercado fonográfico brasileiro estava concentrado em poucas grandes gravadoras — quase todas multinacionais —, com raros selos independentes e um forte controle comercial e político sobre o que podia ser lançado. Esse cenário restrito moldava o destino de uma geração de músicos, que precisavam se encaixar nas exigências das empresas para gravar e distribuir seus discos.
O mercado da música era dominado por essas gravadoras, que formavam seus próprios elencos de artistas, músicos, técnicos e produtores de som. Por serem empresas privadas, movidas pelo lucro, muitas vezes criavam produtos musicais baseados nas tendências da época, contratando artistas para cantar o que lhes era pedido.
Mesmo assim, dentro desse ambiente controlado, muita coisa interessante foi produzida. Atuavam no país cerca de trinta gravadoras, entre grandes e pequenas, incluindo alguns selos alternativos que lançavam anualmente mais de mil álbuns, produzindo centenas de milhares — às vezes milhões — de cópias.
Na prática, dizia-se que a venda de 15 mil cópias era suficiente para cobrir os custos de produção de um disco; o restante representava lucro. É importante lembrar que, naquela época, o músico só conseguia gravar passando por um estúdio — como ainda acontece hoje —, mas para distribuir o trabalho precisava de uma gravadora ou de recursos próprios para custear a prensagem do vinil, a capa e a divulgação.
Naquele planeta em que Roberto Carlos vendia 1 milhão de cópias, Chico Buarque cerca de 350 mil e Elis Regina em torno de 600 mil, os artistas que vendiam menos de 15 mil cópias eram facilmente descartados pelas gravadoras. Alguns poucos, por influência, respeito ou intuição, eram mantidos por mais algum tempo.
Esses chamados “malditos” não eram malditos por acaso. O termo define artistas que, mesmo talentosos e inovadores, foram marginalizados pelo mercado, com vendas muito abaixo do esperado, e mantiveram-se fiéis à própria identidade artística. Entre eles estavam Jorge Mautner, com sua mistura de filosofia, ironia e tropicalismo tardio; Sérgio Sampaio, compositor que cantava o desajuste e o desamparo; Jards Macalé, com sua irreverência e lirismo ácido; Walter Franco, radical na experimentação sonora; e ainda nomes como Ave Sangria e Tom Zé, cada um rompendo padrões de forma e conteúdo.
No mesmo espírito, algumas mulheres também se encaixam nesse perfil de artistas marginalizados: Maria Alcina, com sua voz potente e interpretação intensa, e Miriam Batucada, com sua inovação no samba e improviso vocal, conquistaram um público fiel, mas limitado, e tiveram pouco espaço na indústria dominada pelos grandes selos.
Esses artistas incomodavam o sistema não apenas por sua música, mas por sua postura — muitas vezes crítica à indústria, à política e às convenções da MPB. Por isso, mesmo com talento e originalidade, foram relegados a um limbo entre o culto e o esquecimento, sustentados apenas por pequenos públicos devotos e pela coerência de suas trajetórias.
Nesta série que proponho dar prosseguimento, apresentarei, em cada postagem, um desses artistas considerados “malditos”, assim como aqueles que considero despercebidos — músicos que produzem obras de grande relevância, mas que normalmente são desprezados pela grande mídia. Isso ocorre muitas vezes pelo teor artístico que abordam, pela temática ou pela originalidade de suas propostas, revelando como o mercado e a crítica filtram, seguindo um viés mercadológico, o que decidem tornar visível.

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