10/08/2007

ALEGRIA, ALEGRIA _ o pânico no circo


Em 66 a Jovem Guarda plugava Iê-Iê-Iê na caixa de som do Brasil, Elis e Jair faziam o Dois na Bossa e Geraldo Vandré cantava Disparada. Enquanto isto três musicos baianos chegavam à São Paulo e mudariam para sempre a história da musica popular brasileira.

Um deles se chamava Caetano Veloso que trazia um violão, poemas e um ideal. O outro se chamava Gilberto Gil e trazia seu violão e um disco de samba gravado (Salvador 1962-63) e a outra, uma cantora chamada Maria da Graça, conhecida pelos amigos por Gal.

Os três logo se envolvem no cenário. Em 67 Gil grava o disco Louvação e Caetano com Gal lançam o disco Domingo. Os discos revelam a criatividade de Gil e Caetano que traziam grande influência da Bossa Nova e do Samba Canção e ainda revelava a graciosidade da voz de Gal Costa.

Louvação” de Gil e “Coração Vagabundo” de Caetano foram canções que se destacaram.

Mas o que parecia uma introdução normal ao mercado de musica, numa noite fria para baianos em São Paulo, se tornou um incêndio no dia seguinte quando as cabeças pensantes destes novos compositores começaram a ambicionar uma nova estética musical, um novo sentido para a música deles.

Testemunhas do evento da Jovem Guarda; impactados pelo cinema de Glauber Rocha com seu Terra em Transe, e pela montagem teatral do Rei da Vela, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, a partir de um texto de Oswald de Andrade; e inspirados pelo movimento Antropofágico da Semana de Arte Moderna de 1922 que pregava que no Brasil se deveria primeiro deglutir a cultura exportada pelas potências mundiais e depois misturá-la à elementos da cultura local; os baianos juntamente com outros musicos como Tom Zé, Os Mutantes (Rita Lee, Sérgio e Arnaldo Dias), o guitarrista Lenny Gordon, o maestro Rogério Duprat e o poeta Torquato Neto, criam o Tropicalismo. Um projeto de um grupo de músicos em volta de um conceito. O Tropicalismo admitia o uso de elementos musicais da cultura pop. Não via problema algum em usar uma guitarra elétrica e na mesma canção um triângulo nordestino. Mas isto naquela época além de ser inovador tinha um aspecto afrontador e herético.

Em 67, no Festival de Musica Popular Brasileira da TV Record entre as 10 finalista estão Alegria, Alegria” de Caetano Veloso, com sua introdução de acordes de guitarra elétrica e Domingo no Parque” de Gilberto Gil acompanhado pelos Mutantes. As canções geram reações diversas. Muitos aplaudem e outros vaiam, não aceitavam o uso de guitarra elétrica. Domingo do Parque ganhou a segunda colocação e Alegria Alegria a quarta colocação. Isto impulssionou o trabalho deles e ainda o de Gal e dos Mutantes, que gravam seus primeiros discos tropicalistas.

Caetano grava o LP “Caetano” com “Tropicália”, “Alegria, Alegria”, “SuperBacana” e “Soy Loco por ti América”.

Gil grava o Lp “Gilberto Gil” com “Domingo no Parque”, “Procissão” e “Questão de Ordem”.

Gal grava “ Gal Costa com os clássicos “Baby” (Caetano Veloso), “Não Identificado”(Caetano Veloso), “Divino e Maravilhoso”(Gilberto Gil).

Os Mutantes gravam “Os Mutantes, com Panis at circense (Gilberto Gil/Caetano Veloso), BatMacumba (Gilberto Gil/Caetano Veloso), Baby (Caetano Veloso) e Minha Menina (Jorge Ben).

Todos estes discos tem arranjos de Rogério Duprat e em muitos a colobaração de Lenny Gordon na guitarra. Rogério Duprat criou arranjos excepcionais para o Tropicalismo. Usava trechos de orquestras sinfônicas e sopros em descontinuidade e ainda efeitos sonoros diversos como em Panis at Circenses onde se ouve o som de pessoas conversando durante uma refeição.

Lenny Gordon, por sua vez, introduziu a guitarra distorcida hendrixiana na MPB com seus solos na maioria das canções de Gal Costa. Ele soube mesclar a beat brasileiro no beat rockeiro da guitarra elétrica.

No entanto, mesmo com o sucesso da Tropicália houve uma reação muito negativa ao movimento sendo que em de 1967 foi feita uma marcha contra a guitarra reunindo centenas de pessoas no centro de São Paulo. Entre os manifestantes estavam Elis Regina, Edu Lobo e Geraldo Vandré. Curiosamente Gilberto Gil também estava, à contra gosto, na passeata, mas foi para não desagradar Elis Regina que havia gravado canções suas.

Em 68 grava-se o disco coletivo TropicáliaPanis et Circense, na capa a foto antológica do movimento tropicalista estão Rita Lee, Sérgio e Arnaldo Dias dos Mutantes, Caetano segurando foto de Nara Leão (que aderia o movimento), Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Torquato Neto e Rogério Duprat segurando um penico.

É um disco épico, bem feito, irrepreenssível e com arranjos irretocáveis. Pode-se destacar Nara Leão cantando Lindonéia; Caetano cantando Vicente Celestino em Coração Materno; Gal cantando poema de Torquato Neto em Mamãe Coragem; o criticismo de Tom Zé em Parque Industrial; a parafernália soft e sonora dos Mutantes em Baby com a voz fina e suave de Rita Lee e o senso romântico e exaltador de Gilberto Gil em Misere Nobis.

O sucesso da Tropicália se deu tanto pelo aspecto estético inovador que apresentou como também pela abrangência e popularidade das canções de Caetano e Gil. Esta química resultou num momento muito rico da música popular brasileira. Belas canções foram feitas e muitas delas até hoje são regravadas.


Em 69 os discos lançados por Gal, Caetano, Gil, Nara e Mutantes continuaram com a mesma conotação estética e musicalidade. A Tropicália ainda era a ordem do dia. A capa dos discos tem tratamento psicodélico e informal; a capa dos Mutantes tem a foto antológica de um show onde Rita Lee está vestida de noiva, a capa do disco de Caetano é toda branca com uma assinatura no centro, e numa das faixas a declamação de um poema concretista Acrilirico (acrilírico sorvete/o morto motor da saudade..) com o som incinsivo ao fundo de um violoncelo, barulho de chaves e vidro quebrando. Nara Leão lança o disco Lindonéia tendo todas as canções arranjos de Rogério Duprat.

O âmbito da época em que a Tropicália surgiu, a da liberidade todal, ficou patente na roupa inspirada no psicodelismo, nos cabelos compridos, na informalidade das apresentações; e tudo isto colaborou de forma imensa para abrir uma nova vertente na cultura brasileira. De certa forma, no sentido de concluir uma ruptura que começou com a Jovem Guarda. Mas enquanto a Jovem Guarda vivia inocente no mundo de versões e cópias. A Tropicália trouxe a criatividade e o coquetel molotov. A Jovem Guarda foi a Novidade, o Tropicalismo era a Modernidade, como se um novo produto fosse colocado numa prateleira onde antes só havia Bossa Nova, Samba , Musica Sertaneja e Folclórica. As acusações que existem até hoje contra o Tropicalismo se fundam no aspecto da descaracterização da cultura brasileira, mas vendo o mundo hoje e vendo o mundo que foi há 40 anos atrás, conclue-se que o Tropicalismo foi uma vertente de liberdade e criatividade na musica brasileira. Vê-se no Tropicalismo um movimento que propôs a ruptura mas que ao mesmo tempo reincorporou o que rompeu.

O fim dos anos 60 e o começo dos anos 70 são marcados por movimentos culturais de contracultura como os hippies. No Brasil este processo passou pelo Tropicalismo, que teve um começo promissor porém um fim trágico. Em 69 Gil e Caetano foram presos e exilados do país pela Ditadura Militar do Brasil. Gil antes de sair do Brasil lançou Aquele Abraço e Caetano foi vaido num Festival de Música acompanhado pelos Mutatantes ao cantar É Proibido Proibir.

Vale lembrar que além de Caetano e Gil, tanto Zé Celso Martinez Corrêa e Glauber Rocha foram exilados; isto sem contar outras personalidades intelectuais e artisticas do Brasil naquela época.

Gal Costa se manteve até 72 como musa do Tropicalismo, porta voz do trabalho de Caetano e Gil, chamada e aclamada como a modernidade da Musica Popular Brasileira de então.

Os Mutantes gravaram e fizeram ainda a belíssima Balada do Louco em 1972 quando se desfizeram.

Quando Caetano e Gil voltaram do exílio em 1972 , a Tropicália como movimento já era passado.

Ficaram as vertentes do vento. O sopro da cultura que procura até que alguém ela encontre ou alguém a encontre.

5 comentários:

Anônimo disse...

Alegria, Alegria Paul.
Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, eu vou, eu vou...
Muito bacana.

Valéria Dias

Anônimo disse...

Belo texto Constantinides.
Comprido mas conciso. Tem a história da nossa MPB nos anos 60.
Muiob bom.

Rogério D.

Anônimo disse...

Viajei com o texto.
Toninho

Anônimo disse...

Ai que vontade de ter um movimento musical como foi o Tropicalismo, agora no Brasil.
Ia ser tão bom!

Lucia

Juliano Zeitlin disse...

Massa o textoo!