09/05/2009

JOYCE

O CANTO E O ENCANTO


Se um dia você tiver dificuldade em definir a palavra deleite: escute Joyce. Seu cantar é puro deleite desde 1968, quando gravou seu primeiro disco revelando-se cantora e compositora de talento aguçado.
Sua musicalidade orbita pelo samba-canção, pela bossa e pelo jazz. Sua discografia (30 discos gravados e inúmeras participações) no decorrer de quatro décadas nos revela uma conscistência musical repleta de sonora docilidade. Ouvi-la sempre me refere ao bem estar. Ouvi-la fora do Brasil, onde vivo há 9 anos me faz entender melhor o saudoso país, ver a sua alma através de um canto acolhedor.
Joyce é encanto.
No fim deste ultimo abril a cantora terminou a gravação de um disco em parceria com o pianista/compositor João Donato; um dos quatro que pretende lançar neste semestre. Foi nesse periodo que ela me concedeu esta entrevista onde fala de sua musica, do Brasil, de sua familia, dos anos 70; enfim nos revelando um pouco de seu universo.
Desfrute esta entrevista e escute tambem algumas das lindas canções de Joyce através de 04 décadas.

1.Joyce, como e quando você começou a cantar e compôr?
Comecei desde que me entendo. Eu já cantava e compunha antes de começar a tocar violão, ainda quando era pequena. Meu irmão, 13 anos mais velho que eu, era músico profissional, fazia bailes e conhecia as pessoas da bossa-nova. Então eu sempre tinha muita música em casa, desde a infancia. Com 14 anos aprendi a tocar violão sozinha, e foi tudo muito rápido.

2. Hoje, para você, o que significa cantar?
É uma das atividades que me dão mais prazer na vida, é pura diversão, e eu ainda sou paga por isso! :-)

3. Ainda sobre canto: técnica ou emoção, o que canta mais alto?
Não tenho técnica nenhuma, nunca tive nenhuma aula de canto, e apenas recentemente, há poucos meses, aprendi algumas técnicas de relaxamento vocal com minha filha Clara, que estudou em Paris com Christiane Legrand. Eu nunca estudei canto. Cantando, sou completamente intuitiva. Todas as cantoras brasileiras da minha geração são assim.

4. Como é o seu processo criativo? Você primeiro escreve a letra ou a musica? É um processo intuitivo ou mais racional?
A música é intuitiva, vem direto do mundo espiritual para mim. Recebo isso humildemente e agradeço. Letra, não: letra é trabalho, é racionalizar, lidar com as palavras, fazer a palavra cair na sílaba certa, escolher o que se vai dizer. Isso leva tempo. `As vezes faço uma melodia em 3 minutos e passo vários dias trabalhando na letra.

5. Que cantora ou musico foi influente na sua formação?
Aqui no Brasil, Sylvia Telles, João Gilberto, Tom Jobim, João Donato, Johnny Alf... Fora do Brasil, June Christy, Ella Fitzgerald, e devo dizer, Miles Davis, que tocava como quem canta, Bill Evans... muita gente.

6. Voce é uma cantora que emergiu durante um período de grandes mudanças culturais e politicas. Provavelmente você viu muita gente da sua geração ser tragada nos porões da ditadura e outros se afundarem nas profundezas dos mares das drogas. Como você se lembra deste período?
Exatamente como você está falando. Para minha sorte, este período foi a época em que parei tudo profissionalmente e fui ter minhas filhas. Então eu estava muito envolvida com a maternidade durante os anos 70, o que não deixou com que eu me envolvesse com drogas (na verdade eu nunca me interessei muito por isso, mas muita gente boa entrou porque era hip) e também reduziu bastante minha atuação política, que existiu sim, mas foi muito mais discreta do que teria sido se eu não estivesse tão ocupada como mãe.

7. Uma coisa que me ocorre ao analisar sua trajetória é querer entender como você se preservou da contaminação do rock e da musica pop inglesa, muito forte e patente nos jovens no final dos anos 60?
Confesso a você que nunca gostei, ou nunca consegui gostar de rock ou pop, mesmo com boa vontade. Com todo respeito, minha formação em termos de música estrangeira é totalmente jazzística ou clássica. Então eu tive influencias de fora do Brasil, sim, mas principalmente do jazz. Também sempre gostei muito dos clássicos, principalmente Debussy e Ravel, e da
chanson francesa. Para minha geração, que cresceu ouvindo bossa-nova e jazz, o pop-rock sempre soou desinteressante, eu diria, até bastante chato, sem criatividade. Depois muitos companheiros meus de geração se interessaram por isso, mas eu diria que mais pela atitude do que pela música em si. Agora, Miles, Coltrane, Bill Evans, Gil Evans... isso até hoje eu ouço e adoro. Minha cantora preferida no jazz era June Christy, que eu ainda adoro, mas hoje ouço muito Shirley Horn, a quem, juntamente com João Gilberto e Bill Evans, vou dedicar meu próximo CD, 'Slow Music'.
(veja mais sobre “Slow Music” no blog da cantora Outras Bossas :
http://outras-bossas.blogspot.com/)


8. Sua discografia no exterior é identificada como uma musica essencialmente brasileira. Esta questão da essencialidade da musica brasileira, sem querer ser purista, como você considera isto?
Nunca tive essa preocupação com purismo. A minha música é assim porque é assim que eu sei fazer, mas eu não penso muito nisso. Mesmo cantando em outro idioma (agora mesmo terminei de gravar este CD, que tem 3 faixas em inglês e uma em espanhol), o resultado sai bem brasileiro, porque essa é a maneira como eu faço. Mas isso não é planejado. é bem natural.

9. Ainda neste mesmo tema: no Brasil usualmente as rádios tocam excessivamente músicas estrangeiras; dando a impressão de que a mesma é sufocada dentro do seu país. Você entende que isto ocorre, de fato?
Não. Pelo contrário, aqui há um mercado enorme para música feita no Brasil. Agora, nem sempre essa música é boa, interessante ou criativa. Muitas vezes é música pop feita aqui, o que dá no mesmo. É tudo um grande jogo da indústria.

10. Depois de quase 40 e poucos anos do impacto inicial que suas letras causaram pela ótica feminina ou feminista encontrada nelas, digamos assim. Você acha que o mundo masculino já se adaptou melhor a exuberância da mulher?
Acho que sim, pelo menos no mundo ocidental. Mas ainda existe muito preconceito velado, que muitas vezes a gente nota através de uma atitude que eu só sei explicar em inglês: patronizing. Quando, por exemplo, alguém me diz que eu toco violão "como homem". Isso sempre me irritou muito.

11. Dada a proximidade dos dias das mães; falar de uma de suas canções mais populares “Clareana” , talvez lhe soe como redundancia da minha parte; porém gostaria de saber que efeito, você percebe que esta música tem sobre suas duas filhas e como você ve o fato das duas terem se tornado cantoras? (Ah! Vc já é vovó?)
Você está brincando? Tenho 5 netos e acho o máximo ser avó. Tenho 3 filhas e uma enteada (em inglês é uma palavra engraçada,
stepdaughter _ que amo muito). Minhas duas filhas mais velhas são cantoras, as outras duas não são. No meu website www.joycemoreno.com tem um item (família) que fala de todas elas. Para as meninas, acho que foi um pouco complicado ter essa música na infancia. Hoje em dia elas são mães e entendem. Mas na época foi muito marcante, havia muito assédio de público e imprensa sobre elas, acabou não sendo muito legal.

12. Este disco que você acaba de gravar com o João Donato e que vai ser lançado este ano no Japão e em 2010 no Brasil, como foi?
Foi principalmente muito divertido de fazer. Donato tem a alegria de um menino. Como eu também gosto de coisas que transmitam alegria e sentimentos leves, foi uma delicia fazer esse trabalho. Gravamos nosso repertório autoral, músicas dele, músicas minhas e músicas nossas, feitas em parceria entre nós dois. Foi muito bom.

13. A divisão geográfica que existe no seu trabalho é algo fácil de se administrar?
Eu tento, mas `as vezes é difícil. Preciso estar em vários lugares ao mesmo tempo. Todos os anos faço tours pela Europa, Japão, Estados Unidos... este ano estou indo pela primeira vez fazer um tour no Canada. Tenho que tomar cuidado para que os lançamentos de CDs não se atropelem uns aos outros, o que este ano vai ser dificil, pois tenho 4 CDs diferentes saindo quase ao mesmo tempo. E tenho que estar sempre atenta ao Brasil, que alimenta muito a minha música. Meu amigo Dori Caymmi diz que a gente faz a música de um Brasil que só existe na nossa imaginação, um Brasil ideal. Mas é um Brasil que eu não desisto de tentar construir. Vivo aqui e isso me faz cada vez mais atenta e participante dos processos de mudança. É como falei, estou sempre tentando.

14. Eu tenho mãe grega e absorvi algumas coisas da cultura grega. O mesmo ocorreu com você em relação a Dinamarca ou não?
Não. Nunca tive muito contato com a família do lado do meu pai, e só fui conhecê-lo aos 16 anos. Fui criada pela minha mãe. Sei que meu DNA é 50% nórdico, mas culturalmente sou 100% brasileira. Mesmo quando falo que gosto de jazz, gosto porque minha mãe adorava o melhor da música americana, e sempre havia bons discos na minha casa _ Sinatra, Nat King Cole, essas coisas. Meus irmãos também eram fãs de jazz instrumental, então aprendi a gostar. Cultura se absorve em casa.

15. Tua música transmite beleza, sensualidade e tranquilidade; do que resulta isto?

Não sei. Nada na minha música é planejado. Devem ser características que já estão na música em si. Mas cada pessoa ouve de um jeito. Com certeza alguém vai ouvir a minha música e achar o contrário de tudo isso.

16. Quando você pretende vir dar um show aqui em Miami pra gente aqui poder te curtir ao vivo e matar saudades do Brasil?
Quando me chegar este convite! Adoro Miami e adoraria tocar aí com meu grupo. Faz muito tempo, mais de 10 anos que não me apresento aí! A última vez que estive em Miami não foi para tocar, foi para receber um prêmio em 2004.
Espero voltar em breve.



Agora, curta 04 musicas de Joyce:


Gravação de 1978 do Lp “Passarinho Urbano” ; escute “A História do Samba” (Geraldo Figueiredo)

joyce - historia do samba

Gravação de 1980 do Lp “Feminina”; escute “Clareana” (Joyce) 1980

Joyce - Clareana

Gravação de 1999 do CD Hard Bossa, escute : “Hard Bossa” (Joyce)

Joyce - Hard Bossa

Gravação de 2005 do CD “Rio Bahia/Joyce e Dori Caymmi”, escute: “Demorô”(Joyce)

joyce - Demoro


4 comentários:

Anônimo disse...

Paul
Adorei a entrevista e as musicas da Joyce.
Valeu!
Tudo de bom.
Alberto

Anônimo disse...

Alo Paul
A entrevista ficou maravilha!!! Aqui em casa, todos adoramos a Joyce. Além de uma grande cantora, é uma grande amiga e uma pessoa extremamente sensivel. Estamos sempre na primeira fila pra aplaudi-la (pessoa e artista!!!) Tive a chance e o prazer de atuar com ela algumas vezes - Joyce ja deu canja em alguns discos meus e, ano passado, foi uma das que me homenagearam no Premio RivalBR.
E, voce, grande figura tambem !!! Estaremos sempre na primeira fila tambem - continue firme com esse blogue maravilhoso e essa familia da qual tambem somos fãs numero 1.
Abs
AA

Anônimo disse...

Achei linda a entrevista. Adorei quando ela diz que a musica dela vem "do mundo espiritual"
Das musicas a que gostei mais foi a primeira: "historia do samba"
abracao e grato mais uma vez
Renato

Anônimo disse...

Ola Paul,
Adorei a entrevista e, eu que conheco muito pouco da Joyce, estou agora interessada em ouvir mais do trabalho dela. Valeu!
grande abraco,

Francesca