23/06/2010

Geraldo Maia


Geraldo Maia é cantor e compositor pernambucano , dono de voz cristalina com doce sotaque nordestino, nó de destinos, e com ritmos que fluem por sua cabeça e pela cabeça de um Brasil geográfico.
Gravou seu primeiro trabalho em 1987 e em seguida partiu para Portugal onde viveu por pouco mais de dez anos. Voltou em 99 trazendo um album , “Agua Verde”, lançado aqui no mesmo ano.
Sua musica se reveste de elegância harmônica trazendo uma caudulosa sensação de ritmos brasileiros como o coco, o samba e o baião e que vertem na tal mpb.
Geraldo faz uma musica voltada a elos que ele remonta com a musica brasileira, esta sua busca se revela por exemplo em álbuns como o Samba de São João (2007) e “Samba do Mar Quebrado” (2004), que trazem sambas interessantes como um de Luiz Gonzaga (sim, o rei do Baião) e outros de compositores de sua região, terra de um tal José, Jackson do Pandeiro.
Seu trabalho tem uma beleza tamanha, que me leva a me perguntar por que sua musica distribuida em expressiva discografia não se aninhou por estes Brasis?
Segue abaixo entrevista que fiz com o compositor durante o começo deste ano.
Conheça a personalidade deste interessante musico , ouça alguma de suas belas composições.

A homepage de Geraldo é http://www.geraldomaia.com.br/

1.Como a musica entrou em sua vida?
Desde muito cedo "intui" que seria cantor. Minha primeira "escola" foi o banheiro. Cantava muito no banho, imitava Bethânia, sabia o Rosa dos Ventos de cabo a rabo. Aí um ou outro ia falando que eu tinha uma voz bonita, e isso foi dando o norte, de certa forma...

2.Quando você aprendeu a tocar violão?
No início da adolescência. Éramos um grupo de jovens bastante interessado em música, e bebíamos muito nas fontes "locais", sobretudo o Ave Sangria, de Marco Polo, banda que marcou toda uma geração. Apesar de o grupo ter se desfeito quando eu ainda estava entrando na adolescência, eu era alucinado por eles, as músicas, a atitude, a rebeldia, e, muito em particular, pela figura emblemática e iconoclasta de Marco. Mas aprendi a tocar violão assim, de forma lúdica, nas farras, meio por osmose. Depois, bem mais tarde é que tentei sistematizar algum estudo, algum conhecimento.

3. Primeiro veio o cantor ou o compositor?
O cantor. Mas o compositor surgiu quase ao mesmo tempo. Nessa época de aventuras e transgressões juvenis, compus bastante, junto com um amigo, Edezel. Depois entrei numa fase só de intérprete, que durou décadas. Quebrei o jejum recentemente, com a gravação do CD Peso Leve, meu primeiro disco autoral.

“Tenho Onde Morar”(Luiz Gonzaga/Dario de Souza) Samba do Mar Quadrado (2004)


4. Em sua home Page você fala do impacto que teve ao assistir um show de Caetano Veloso no “Geraldão” nos anos 70. Primeiro, desculpe-me a ignorância, o Geraldão é algum teatro em Recife? E que impacto o show teve em você?
Eu é quem tenho de me desculpar. "Geraldão" é um ginásio, tipo Maracanazinho. Fazia-se muitos shows lá. Fui ver Caetano em 72, 73, não lembro bem ao certo. Mas ele havia chegado do exílio recentemente. Esse show me marcou de forma muito profunda. Nunca esqueço ele cantando 'Assum preto’ ao violão. Ele fazia uns grunhidos entre as estrofes, algo bem gutural. Aí alguém da plateia gritou "Tá chupando, né veado"! Ele abandonou o palco, acenderam-se as luzes, muita confusão e ansiedade, até que ele volta escoltado pela polícia, faz um discurso breve mas colérico contra a caretice e continua o show. Tudo aquilo foi de um impacto profundo pra mim, eu tinha 13 pra 14 anos e era um adolescente inquieto, descontente e problemático. E ali se estabelecia, sem que eu soubesse ao certo como e nem por que, uma possibilidade de liberdade, um viés transgressor, uma fresta em meio ao caldo repressor da ditadura, então em pleno recrudescimento da era Médici.


5. Você é dono de uma voz muito marcante. Você se diz autodidata, mas gostaria de saber se você já fez aulas de canto ou algo assim, e que cuidado toma com a voz, por exemplo.
Desde bem jovem fiz aulas de técnica vocal, empostação da voz, o uso correto do diafragma, essas coisas. Tive alguns ótimos professores, inclusive em Portugal. Ainda hoje faço os exercícios, ao menos uma, às vezes duas vezes por semana, pra manter a voz "no lugar". Mas aprendi mesmo a cantar, minha grande escola foi ouvindo meus ídolos, atentando pra o jeito deles burilarem a voz.

6. Como você define a sua musica?
De forma bem sucinta diria que faço música popular brasileira contemporânea, com um certo 'sotaque' pernambucano.

7. O que você pensa do jargão MPB? O que você faz é musica popular brasileira?
Como todo jargão, generaliza e achata, deixa de fora muitas sutilezas, mas, grosso modo falando, acho que faço, sim, MPB. Só que sou um cara muito inquieto, então esses rótulos me cabem mais do que eu caibo neles, sabe assim? Detesto enquadramentos, movimentos, tendências, rótulos e tudo o que possa ser motivo de confinamento. A graça pra mim é ter exatamente a liberdade de ser pop hoje e 'brega' amanhã, a graça é sair incólume de qualquer couraça.

8. Você é um sambista?
Não, mas tenho uma atração 'instintiva' com o gênero.

9. Você entende que no Brasil há uma barreira, ou tendência, que coloca a produção musical do Nordeste num patamar menos privilegiado do que a feita no Rio ou em São Paulo?
Sem a menor sombra de dúvida.O Rio de Janeiro e São Paulo são centros hegemônicos, e acabam ditando as regras, os modismos, tudo enfim. Essa imposição, por sua vez, é corroborada pela grande mídia, também ela mantenedora dessa hegemonia.

“Sodade de Pernambuco”(Manezinho Araujo) Samba de Sao Joao (2004)


10. Você viveu praticamente uma década em Portugal (eu também tive esta experiência recentemente, acabei de voltar de Miami depois de viver lá 10 anos). Como você vê a standartização da musica brasileira por lá. Tem algum aspecto positivo nisto?
Acho que lá fora continua valendo e prevalecendo uma certa visão de Brasil (país do samba, do carnaval, do futebol, da sensualidade e por aí vai...) em que pese o esforço em contrário de alguns. Foi um pouco isso que acabou determinando a minha volta, pois comecei a enxer o saco de cantar pra gringo que só queria ouvir samba, bossa nova cantada em inglês, de preferência, e todos aqueles standars da 'velha' música brasileira.

11. Como foi sua vida longe do Brasil?
Afora esse aspecto do trabalho em si, que foi me cansando com o passar do tempo, eu adorava, amava Portugal, e, em particular, a região onde vivi. Passei o primeiro ano em Lisboa e depois fui morar em Albufeira, no Algarve, região de praias paradisíacas, clima quase tropical e uma região muito cosmopolita. Um lugar lindo, qualidade de vida fantástica. Fiz bons amigos, tenho excelentes recordações de lá. E as coisas todas me soavam familiares demais, sou filho de pais portugueses, tenho dupla cidadania, convivi desde sempre com o sotaque, alguns costumes e tal.

12. Ainda, pelo fato de ter vivido tantos anos fora do Brasil, em algum momento de sua volta você chegou a se sentir um turista, ou seja, um estranho no ninho, no Brasil?
Sim, a volta foi um processo difícil, sobretudo no plano artístico. Saí de Recife em 1990, plena era Collor, e voltei em 1999, depois da eclosão do mangue beat e da morte prematura de Chico Science. Encontrei uma cidade bem diferente da que havia deixado.

“Olinda”(Jose Antonio Madureira/Carlos Pereira Filho) Agua Verde (1999)


13. Como se dá a contribuição ou influência lusitana há em seu trabalho?
Acho que essa é uma questão que eu não sei responder ao certo. Talvez a coisa se dê num plano mais sutil, indireto, talvez um pouco na minha dicção, nas escolhas de repertório, que acabam por enfatizar uma certa melancolia de espírito, algo que talvez tenha a ver com a alma lusitana, o universo meio soturno do fado. Vejo mais por aí...

14. Sua bussola musical vai do samba tradicional para o maracatu zen, ou para o samba trip hop, a outros ritmos populares com extrema facilidade. Como você se explica neste aspecto?
Acho que respondi um pouco essa pergunta lá em cima. Tenho uma inquietação, algo que me é nato, e que eu reputo como uma das minhas melhores virtudes, que é esse aspecto de liberdade, de conseguir transitar por estruturas aparentemente antagônicas. Mas há quem veja nisso um defeito, uma falta de unidade, de coerência e tal.


15. Pode-se dizer que seu álbum, Verde Água (1999) foi fecundado em Portugal e nasceu no Recife?
Exatamente. Ele inclusive foi gravado lá, boa parte dele. E é um álbum inteiramente despojado, livre de qualquer compromisso, cantei ali de forma inteiramente casual, intuitiva, sem amarras...

16. Como você encontrou “Sejam Bem-vindos”, de Cartola, interpretada em “Verde Água”?
Eu levei pra Portugal um farto material em cassete (ainda eram vivas!!!) e numa dessas fitas tinha ele falando e cantando, uma entrevista pra uma rádio. E ele cantava Sejam Benvindos.

“Sejam Benvindos”(Cartola) “Agua Verde”(1999)


17. Seria correto dizer que em seu álbum “Astrolábio” (2001) você traduziu musicalmente o que de novo e empolgante você reencontrou em Recife após voltar de Portugal?
Exatamente. Enquanto o Verd'água era um reencontro comigo mesmo, com essa coisa simbólica da volta e tal, 'Astrolábio' foi um disco dificílimo de produzir, que acabou refletindo de uma forma meio confusa toda a minha inquietação e a vontade de me reinserir na cena pernambucana. Acho um disco meio confuso, apesar de ter momentos que considero singulares.

“Estrada”(Geraldo Maia/Paulo Marcondes) Peso Leve (2008)


18. Recife é uma cidade especial?
Apesar das dificuldades, algumas inclusive crônicas, históricas, no plano artístico a cidade, sobretudo dos anos 90 pra cá, parece estar sempre sob a "égide" de uma espécie de inquietação, as pessoas estão permanentemente em busca de algo, do fazer artístico, dar vasão a seus projetos, ideias etc. Nesse sentido há, sim, um quê de especial...

19. Em “Samba do Mar Quebrado” (2004) e “Samba de São João” (2007) há notadamente um trabalho de pesquisa histórica. Como estes projetos ocorreram? E o que te motivou em fazer esta conexão com o passado? É algo que vai além da sua memória pessoal?
O 'Samba do Mar Quebrado' não ia ser um disco de samba, mas acabou virando, meio ao acaso. Na verdade eu estava no Rio, pensando em como fazer meu próximo disco, e conversava muito com João Falcão sobre o feitio do trabalho, os caminhos possíveis. Voltei pra Recife e comecei a pesquisar repertório na Fonoteca da Fundação Joaquim Nabuco. Com a ajuda de Renato Phaelante, amigo e grande pesquisador da música popular, cheguei a alguns sambas de Luiz Gonzaga que me pareceram muito originais e atípicos na obra dele. Daí surgiu a ideia de fazer um CD só de sambas. Depois continuei essa pesquisa com Renato, que resultou no 'Samba de São João'. Ambos os trabalhos resgatam várias canções antigas, que é algo de que muito me orgulho fazer. Mas não tem nada a ver com a minha memória pessoal, mas muito mais com uma construção de possíveis identidades, facetas da minha personalidade artística, e um viés meio nostálgico que, sabidamente, me habita.

20. Foi importante para divulgar o seu trabalho, sua participação na trilha sonora do excelente filme “Lisbela e o Prisioneiro” (2004)?
Sim, foi uma experiência muito importante, sobretudo ter gravado ao lado de Yamandú.

“Sao Jorge” (Publius/Magrao) Lundum (2009)


21. Como você produz seu trabalho? É você quem controla a distribuição de seus álbuns? Você tem idéia de quantas cópias já vendeu?
Sim, eu controlo (quase) tudo. Tenho uma irmã que cuida da parte de distribuição junto às lojas, mas sou eu quem fica à frente de todo o processo.


22. A questão do Direito Autoral, recentemente tem criado uma reação forte de gente expressiva como Joyce Moreno, Antonio Adolfo, Ana de Hollanda e Mario Parahyba contestando a nova lei de Direito do Autor que o governo quer implantar.Você tem alguma opinião a respeito?
Não, preciso me inteirar urgentemente.

“Santa Luzia”(Geraldo Maia/Nilton Jr.) Lundum (2009)

“Pega o Peixe” (Geraldo Maia/Paulo Marcondes)


23. O que você pensa sobre o “free download” de musicas na Internet?
Acho normal, não sou contra. Sou contra os fetiches, a coisa de ter 700 músicas num I-pod e não ouvir nenhuma direito...

“Um Samba”(Henrique Macedo/Paulo Marcondes) Samba do Mar Quadrado (2004)

“Ronca o Bizouro na Fulo”(Joao Pernambuco/Stefana de Macedo) Samba de São Joao (2004)



24. Seus dois últimos álbuns “Peso Leve”(2008) e “Lundum”(2009) apresentam mais o seu lado autoral. Este é um processo novo em sua vida, ou foi só agora que você se sentiu seguro, à vontade, em apresentar esta face do seu trabalho?
È um processo novo, e que eu adoro, mas, sendo bem franco, me sinto melhor como intérprete, é como se soasse mais verdadeiro, sei lá...

25. Há um novo álbum a caminho? Que perspectivas você tem para este ano?
Não, por enquanto quero trabalhar o 'Lundum'. Disco novo acho que só ano que vem.


9 comentários:

pituco disse...

mister paul,

retorno piramidal...não conhecia o geraldo maia...pela entrevista e principalmente pelas músicas postadas, fica a primeira boa impressão...música brasileira com certeza, é com certeza música brasileira...rsrs

abraçsonoros e saudosos
ps.e torcendo pra seleção canarinho, né não?...apesar do time estadunidense tá jogando bolão,hein?

Paul Constantinides disse...

grande pituco
o geraldo maia é dez.
qto a seleção..vamos ver se o Brasil chega lá..esta copa parece boa pra nós..se bem q ai ressinto de um ronaldinho e um paulo ganso....tem bons jogos ai pela frente....
os EUA estão surpreendendo o q é bom pra o esporte bretão...tá ai o Japão tbm quem sabe ganhe hoje da Dinamarca....futebol e samba, e o q mais for..tudo de bom

abs
paul

Unknown disse...

esse geraldo maia é uma maravilha de intérprete! tenho muito orgulho de ter composições interpretadas por ele. parabéns pelo seu trabalho, geraldo! vida longa à vc e sua música.

Paul Constantinides disse...

mauricio
obrigado pelo comentário.o geraldo é tudo mais mesmo...e legal q vc tem composições interpretadas por ele...são bonitas mesmo..é isto ai

abs
paul

Vôte.. Espia Só disse...

Geraldo é aquele cantor que você ouve o dia todo e não cansa. Muito rigoroso com a escolha do repertório, figurino, luz, etc.
Uma das mais belas vozes do Brasil.
Merece todo sucesso do mundo!
Paulo Carvalho

Telma Virginia disse...

Paul Brazil adorei teu blog conheci através de Paulo Marcondes. Achei genial essa tua reportagem, entrevista com foto de Geraldo Maia e entrecortada com as músicas dele nos dando a oportunidade de conhecer o homem,o cantor e compositor com os links das músicas,genial. Parabéns.
Agora sobre Geraldo voz única,interprete maravilhoso e compositor genial, trás algo de novo pra música do Recife, do Brasil e do mundo. Amo o cara, o cantor e o compositor. Beijos Geraldo. E também parabéns pra Paulo Marconses e Henrique Macedo compositores que trazem coisa nova pra "MPB",podemos dizer assim ...

Cecí disse...

Não conhecia o blog, mas estou adorando!. Também conheci através de Paulo Marcondes, no link do seu facebook.
Quanto a Geraldo Maia, devo dizer que é realmente uma joia rara com uma sensibilidade incrível para criar e interpretar canções. O álbum "Lundum" é lindo!!!. O show do ano passado, no Santa Isabel, foi perfeito!!!. Geraldo é MARA!!!!.

Paul Constantinides disse...

Ceci, Telma e Paulo
muito obrigado pela visita ao meu blog.
o Geraldo sem duvida é um belissimo cantor e compositor.
tive muito alegria em conhecer o trabalho dele e ter a oportunidade de entrevista-lo.
sejam sempre benvindas e benvidos aqui ao Musa.
abs
bjs
paul

Anônimo disse...

me gusta exactamente cómo usted recibirá su nivel a lo largo