21/09/2007

BANDA DOS DESCONTENTES (2) OLÊ, OLÊ, OLÁ...

Manhã de 66, táxis pequenos passam apressados pelas avenidas movimentadas da cidade de São Paulo. A metrópole ofegante respira a modernidade de seus grandes magazines, a operitavidade de suas indústrias resultantes da economia crescente; e ainda, se esbalda no rock britânico travestido de Jovem Guarda; se espelha nas manchetes coloridas das capas de revistas, nas mini-saias, no fom-fom, os bondes elétricos, as emissoras de Tv...de repente no meio do burburinho uma canção começa a tocar no rádio; uma marchinha lenta, cadenciada, suavizada por uma flauta doce e que com a voz clara, tranquila e imaculada de Nara Leão anuncia: “Estava à toa na vida/O meu amor me chamou/Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor/A minha gente sofrida/Despediu-se da dor/Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor.”

Foram com estas estrofes românticas que Chico Buarque de Holanda ficou conhecido pelo publico e conquistou o Brasil.

Aclamado como vencedor do II Festival de MPB da TV Record de 66, posando ao lado da cantora Nara, o jovem sorridente, notadamente tímido e de olhos verdes não faria supor que além daquelas doces palavras encontradas na “Banda”, pudesse vir do mesmo compositor letras que contestassem o sistema de então.

Antes daquele ano, Chico já havia feito gravações de sambas lançando-os em compacto em 65. Os sambas “Pedro Pedreiro” (esperando, esperando, esperando o aumento para o mês que vem...) e “Sonho de Um Carnaval”.

Nascido no Rio de Janeiro, criado em São Paulo e filho de eminente historiador Chico Buarque cresceu envolto pelos pensamentos socialistas de seu pai, influenciado pela Bossa Nova assim como por sambas de Ismael Silva e Noel Rosa.

Ganhou um festival escolar aos 16 anos de idade e depois tocando em bares na noite paulistana se envolveu com outros músicos e suas composições passaram a ser conhecidas e respeitadas.

Geraldo Vandré defendeu a sua canção “Sonho de um Carnaval” no Festival da Record de 65. Em 66 com sua "Disparada " empata em primeiro lugar com a “Banda” de seu colega.

Com o sucesso no festival, Chico lança seu primeiro LP. Nele além da “Banda” estão “Olê Olá”, “A Rita”, “Pedro Pedreiro” e “Sonho de um Carnaval”.

Em 67 Chico continua a participar de festivais, que naquele momento eram as melhores vitrines da musica popular no Brasil. Participa com Nara Leão do programa Prá Ver a Banda Passar na TV na Record. Concorre com Carolina” no II FIC da TV Globo, ficando em terceiro lugar e ainda, com “Roda Viva” classifica-se também em terceiro lugar no III Festival de MPB da TV Record.

Seu segundo trabalho gravado neste ano trás os sucessos de Quem Te Viu, Quem te ve”, “Morena dos Olhos d’agua” e da tristíssima “Com açucar e com Afeto”.

Neste momento a criativade de Chico Buarque já se cristalizava e dava os parâmetros do poeta sambista e melódico que surgia no cenário da MPB. Sua música aparecia entre a Jovem Guarda e a Tropicália como um segmento moderno do samba não exatamente na sua estrutura musical, mas sim no tema e na abordagem. Porém o que mais ressalta no trabalho de Chico desde então são suas letras.

Foi em 68 quando Chico gravou seu terceiro LP com Roda Vida”, “Carolina”,Funeral para um Lavrador” e “Morte e Vida Severina” que seu trabalho começou a conotar a questão politica que o Brasil atravessava.

Neste ano Chico Buarque se envolve com trabalhos de teatro. Faz musicas para a peça “Morte e Vida Severina” e escreve a peça Roda Viva que que conta a história de um idolo de musica popular manipulado por uma gravadora e que o teatrólogo José Celso Martinez habilmente transforma o idolo em povo e gravadora em governo, e monta a peça, exibindo-a inicialmente no Rio de Janeiro onde obtem imediato sucesso. Aindo no mesmo ano, José Celso leva o espetáculo paa SP onde o púlbico a recebe com grande aceitação, porém sofre um ataque inusitado até então. O teatro é invadido por um grupo de 100 pessoas, denominado Comando de Caça aos Comunistas, que espancam os artistas, destroem os cenários e as instalações do Teatro Galpão. A repercurssão do ocorrido mobiliza a classe artistica e segmentos da opinião publica. Mas o fato é que com a censura e a ditadura vigente naquela época os resultados desta invasão foram mais benéficas ao grupo que agridiu o elenco, do que aos artistas atacados.

Vivendo um clima de censura e hostilidade o compositor aproveita uma visita a Feira Fonográfica em Cannes na França e se auto exila, passando a viver na Itália onde somente regressa ao Brasil dois anos depois.

Ainda assim, no exílio lança no Brasil o compacto Apesar de Você” e sua gravadora lança seu quarto disco

Voltando ao Brasil Chico Buarque grava o clássico "Construção" que canta a morte de um operário da construção civil e se envolve em vários projetos musicais para cinema e teatro e vai durante a década construindo sua carreira como um dos mais importantes compositores de sua época.

Perseguido pela censura, talvez um dos compositores mais censurados pela ditadura brasileira, chegou a usar nomes falsos, com sucesso, para que suas musicas não fossem censuradas.

Depois da queda da ditadura Chico perdeu a função de ser o porta voz da consternação política no país mas manteve a qualidade poética e musical. Fez trabalhos bonitos e dignos de ser um dos que manteve durante um período de conturbação cultural e política no país o bastião da inteligencia do samba idolatrado e inalterado, olê, olê, olá.


Roda viva

Chico Buarque
1967

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo (etc.)


2 comentários:

Anônimo disse...

O Chico sem dúvida é o melhor.




Cacá R.

Anônimo disse...

Sou fã do Chico e adorei o que você escreveu sobre ele.
Legal.

abração
Vera Lucia