13/03/2009

DANUZIO LIMA

LEVANDO A FLAUTA

Danuzio Lima, 56, (
http://www.danuziolima.com/) vive há décadas nos Estados Unidos e divide sua vida entre ser um dedicado engenheiro da prefeitura de Hollywood (cidade vizinha a Miami); e em ser um talentoso flautista, com CD gravado (Ave Rara, 2002), que atua no Clube do Choro de Miami; grupo que, há quase uma década, constantemente se apresenta em eventos, teatros e bares do Sul da Flórida, representando tão bem o nosso patrimônio cultural. Danuzio é de São Luis do Maranhão, provém de uma família em que o avô era dono de um bar que abrigava a boêmia da cidade. Seu pai além de ser bancário pesquisava e escreveu vários livros sobre o Folclore, foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Maranhão e ocupa uma das cadeiras da Academia Maranhense de Letras. Sua mãe participou do Teatro Experimental, escreveu livros sobre culinária, contos e rezas populares e foi Diretora do Centro de Cultura Popular e da Comissão de Folclore de São Luiz. Em entevista concedida há duas semanas, Danuzio fala franca e abertamente sobre sua vida, seu trabalho e seus pontos de vista; deixando um recado para a comunidade brasileira: “Em terra de olho quem tem cego, errei”.
Leia a interessante entrevista ouvindo “Doce de Coco” (Jacob do Bandolim) do cd “Ave Rara” de Danuzio Lima :



1. Quando a música entrou na sua vida, e como?
Eu na verdade sou engenheiro civil de formação. Comecei a tocar flauta na França, já em “idade avançada”, na época em que estava finalizando minha tese de doutorado em planejamento urbano na Sorbonne, numa espécie de “contraponto intelectual” às atividades acadêmicas. Tinha um flautista argentino que tocava bossa nova às sexta-feiras num café em Paris, eu gostava de ir ouvi-lo. Um dia, conversando, ele se prontificou a me ajudar na compra de uma flauta e a me dar umas aulas.


2. Porque você escolheu a flauta?
A tradição da flauta na música brasileira é muito forte. Sempre estive atento e fascinado pelas melodias tocadas por flautas no fundo das gravações dos cantores brasileiros. Adoro som de flauta.


3. Quem são os seus grandes mestres,influências?
Musicalmente são muitas para citar aqui. Em relação a flauta e limitando ao Choro: Altamiro Carrilho, Benedito Lacerda, Manuelzinho da Flauta, Eduardo Neves, Antonio Rocha, Maionese, Sérgio Morais, e por ai vai. Agora falando-se de mestre dos mestres, como flautista, compositor e ser humano: “São Pixinguinha”, sem dúvida!


4. Teve um dia na sua vida que vc teve que decidir entre ser engenheiro ou flautista? Ou você leva as as duas ocupações na flauta?
Não, continuo sendo engenheiro. Aliás nos últimos 20 e tantos anos, tenho trabalhado na área de desenvolvimento urbano; no Brasil, no Instituto do Patrimonio Histórico, em Chicago no Departamento de Planejamento Urbano da Prefeitura, e aqui na Flórida, ocupo a função de especialista em desenvolvimento econômico na Prefeitura de North Miami.
O que é ótimo, pois adoro o fato de poder “viver com música” e não ter que “viver de música”. O mundo profissional da música não é fácil. Uma vez perguntei ao Paulo Moura quando o músico pode se considerar profissional. Ele me respondeu: “Se você ganha dinheiro tocando um instrumento, você é um músico profissional”. Então, segundo o mestre, sou um músico profissional, mas sem ter que me submeter ao “meio profissional” da música.


5. Aliás você leva tudo na flauta? (risos)
É assim que encaro não só a música, mas a vida. Sou filho de dois artistas, escritores, folcloristas, tenho para quem puxar… Musicalmente falando, tenho flauteado bastante e não tenho do que reclamar. A princípio a idéia da flauta era somente tocar para eu mesmo, mas a coisa foi crescendo aos poucos e hoje sou integrante do Clube do Choro de Miami. No trajeto tive o privilégio de tocar com outros músicos de primeira mão como Paulinho Garcia, Dedé Santana, Sérgio Pires em Chicago, Sérgio Morais, e o pessoal do Tira-Teima no Brasil, e com Mestre Ferretti, Alex Correa, e com o incrível Douglas Lora aqui em Miami. Além disso, tive o prazer de dividir o palco com a grande Elza Soares e de gravar o meu único CD “Ave Rara” com o não menos raro Claudinho Spiewak. Se morresse hoje, já estaria de bom tamanho para que começou “soprando só por soprar”.

6. Quando o Clube do Choro de Miami entrou na sua vida?
O nome “Clube do Choro de Miami” foi sugestão minha, mas o grupo já existe há muito tempo, antes mesmo de eu mudar para a Flórida. Tinha o nome de “Grupo Aquarela”. Eu entrei quando o Serginho, o flautista do grupo, terminou os estudos dele na Universidade de Miami e voltou pro Brasil. O Bill, cavaquinista do grupo, já tinha me chamado algumas vezes para tocar. Para preencher a vaga, tive que me virar para aprender o repertório. Eu já gostava de Choro. Sempre tive uma relação muito estreita com o pessoal do grupo Tira-Teima lá do Maranhão, de onde sou. Mas nunca tinha me arriscado muito, tocava uns 3 ou 4 Choros, e só. Com a oportunidade veio a dedicação e … o “vício”.


7
. Hoje me parece que você é um dos, entre outros , que leva com muito carinho, alegria e dedicação as rédeas do Clube do Choro de Miami, que tens a dizer sobre isto?
Tenho me dedicado a tocar Choro, que é a matriz da nossa música popular. Durante muito tempo toquei “Garota de Ipanema”, “Desafinado”, etc, p’ra gringo ouvir. Mas sempre gostei de meter umas músicas menos populares no meio das “gigs”, um samba do Paulinho da Viola, um Edu Lobo, uma valsa, mas sempre vinha o pedido para tocar “A Garota” ou “Água de Beber”. Tocando no meio brasileiro, os pedidos geralmente giravam e ainda giram em torno de pagode. Um amigo meu uma vez me disse que brasileiro não gosta de ouvir música, gosta é de cantar junto com o cantor… Acho que ele tem razão. Uma vez uma conhecida minha ficou zangada porque não atendemos o pedido para tocar uma música que não tinha nada a ver com o repertório que estava rolando da roda de Choro que estavamos fazendo, e nos acusou de elitistas. Aí eu pensei comigo, como o Pixinguinha, morando lá no morro se sentiria ao ser acusado de elitista! A partir desse dia assumi totalmente minha convicção: a de tocar Choro; e quando sobra tempo toco samba e o que mais me vier na cabeça. Estou feliz pois toco principalmente para mim e para rapaziada do Clube do Choro, sem ter que comprometer a música só para agradar. Se alguém mais gostar, maravilha!


8. É comum que se altere sempre o quadro do Clube do Choro? Isto ocorre pela instabilidade que pode ocorrer na vida do imigrante,por exemplo?
É verdade, muito embora o Clube do Choro tem sido ao longo do tempo relativamente estável. Quando o Serginho voltou para o Brasil, eu substitui ele. Quando Mestre Ferretti também resolveu voltar, apareceu o Douglas, um fenômeno no violão; hoje ele está percorrendo o mundo com o duo que ele tem com o Joãozinho, outro fenômeno. Recentemente, o Ivo de Carvalho se juntou ao grupo.

9. Qual a proposta musical do Clube do Choro de Miami? Quem são seus componentes, e há a possibilidade de uma variação, ou um grupo de choro tem que ter sempre seis componentes?
A proposta geral do Clube do Choro é genuinamente brasileira: a de ser feliz. O que para nós, se traduz em tocar Choro. Os integrantes além de eu na flauta, são: o Bill no cavaco, o Vitinho no bandolim, o Ivo no violão e o Felipe no pandeiro; todos brasileiros, embora o “carioca da gema” do grupo tenha nome estrangeiro. Há grupos de Choro de todos os tamanhos e variações. O Pixinguinha tinha um grupo de 8, o famoso “Oito Batutas”, Jacó tocava com 5, etc. O tradicional “regional” geralmente era formado de um solista (flauta e/ou bandolim), violão de 6 cordas, violão de 7 cordas, cavaquinho e pandeiro. Mas há grupos no Brasil de todo tipo, com trombone, clarinete, saxofone, piano, até violino. O que caracteriza o Choro é o repertório, o fraseado, a ginga. E além de tudo, a maneira de tocar. Um grupo no Brasil gravou a música do Beatles em Choro, outro tem um CD de música de Natal em Choro, O Altamiro gravou “Clássicos em Choro”. Não sei se precisavam fazer isso, pois o repertório de Choro e inesgotável, mas fizeram!


10.O que você sente do público estrangeiro quando apresenta o chorinho, há alguma diferença de reação entre o público hispanico e o norte-americano?
Sem ser deselegante com o entervistador, quero lhe alertar para o fato de que músico de Choro não gosta do termo “chorinho”. Aliás compositor de samba também não. Há uma estória famosa sobre “Aquarela do Brasil” de Ari Barroso sobre isso. Não vou contar a estória aqui, mas o argumento é que ninguém se refere a uma “sinfoniazinha” ou um “jazzinho”, então porque diminuir o Choro… (risos). Para responder sua pergunta: não tenho notado nenhuma diferença entre norte-americanos e hispanos em relação à nossa música. Só tenho feito distinção entre o público educado, aquele que ouve e aprecia a música, e o mal-educado, aquele que fala alto, é incoveniente, etc. Geralmente as nossas melhores platéias tem sido fora de bares, restaurantes, festas privadas, etc. Fizemos uns workshops de Choro na Escola de Música do Antonio Adolfo (que por sinal é uma grande realização aqui em Miami pois o Antonio é o que se pode chamar de Mestre com M maiúsculo), em algumas Bibliotecas Públicas e no Broward Center for the Performing Arts. Foram experiências maravilhosas. Falamos do nascimento da música popular brasileira através do desenvolvimento do Choro, tocamos, respondemos perguntas, foi muito legal mesmo! Agora estamos com um projeto para continuar essa experiência, lutando por um “patrociniozinho” (aqui relamente cabe o diminutivo).


11.Como foram suas recentes apresentações do Clube do Choro no calçadão da Lincoln Road?
Pois é, levamos o projeto “Choro na Rua” para a Lincoln Road onde tocamos quarto noites a céu aberto, com muito sucesso. As pessoas ficaram encantadas ao conhecer o Choro. Não acreditavam que era música brasileira pois nunca tinha ouvido esse tipo de música. Estas apresentações foram patrocinadas pela American Airlines, uma empresa que embora não seja brasileira, acreditou no Choro e ainda sorteou uma passagem de ida e volta para o Brasil em plena praça pública!


12.Há plano para se gravar o trabalho do Clube do Choro?
Por enquanto não. Gravar um grupo de Choro é meio complicado pois tem que ser “na vera”, sem playbacks, sem separação de vozes; como se fosse um conjunto de camara. Tudo isso precisa muita preparação, tempo e grana. Além disso a gente gosta mesmo é de tocar ao vivo! Mas um dia, quem sabe.


13.Você já viveu em Chicago e agora vive em Miami, há diferença entre estas duas cidades quanto ao espaço que a música brasileira ocupa nestas cidades?
Acho que Chicago é uma cidade mais séria, onde há mais oportunidades, mais lugares para tocar, mais museus, mais centros de cultura, mais verba, etc. Também é uma cidade bem maior que Miami. Acho que Miami, culturalmente falando, é muito dividida em pequenas comunidades culturais. Somos quase todos imigrantes, tentando manter nossas respectivas referências culturais, sem ter muito tempo para outras culturas. Mas tanto em Chicago como em Miami é uma batalha manter a chama da música brasileira viva, principalmente do Choro. Mas nós adoramos essa luta porque realmente adoramos a música que tocamos. Além disso, eu o Bill, o Victor e o Felipe já nos conhecemos há muito tempo e a amizade e cumplicidade é grande entre nós. Não posso falar da receptividade do Choro em Chicago pois até quando vim para Miami dez anos atrás, lá não existia Choro. Aqui, o americano parece ser o que mais aprecia nossa música. Embora o melhor elogio que já ganhamos foi de um brasileiro que por acaso nos viu tocar, não conhecia o Choro, e me disse no final da apresentação: “Vocês deviam ganhar uma medalha por manter viva essa música”. Isso me fez lembrar de quando ganhamos o “Brazilian Press Award” de melhor grupo na categoria de Preservação da Música Brasileira”. Na ocasião, agradecendo a honra, eu disse que nós do Clube do Choro é que nos sentimos preservados como brasileiros, tocando Choro.


14.Como voce vê a comunidade de músicos brasileiros aqui no sul da Florida?
É interessante o meio musical aqui nos States em geral. No Brasil o cara toca muito, e bota “muito” nisso, e vive andando de bar em bar, de roda em roda, pedindo prá dar uma canja, e ainda acha que toca pouco. Aqui, com exceções claro, o cara toca um violão legal, ou canta bem, porém igual a milhares no Brasil e já acha que é “nobreza”. Como diz o ditado, truncado: Em terra de olho que tem cego, errei!” A beleza do Clube do Choro é que para obter a carteirinha de sócio não pode usar sapato alto, o rei é o Choro, nós somos apenas súditos dele.


15.Por fim, saudades do Maranhão? Saudades do Brasil?
Você tinha que me lembrar do Maranhão? Já vivo há muito tempo fora do Brasil, mas devo lhe confessar que sou um desses brasileiros ranzinzas. Adoro meu País e o Maranhão. Se não fosse lá pelo menos 2 vezes por ano, não aguentaria. Sou daqueles que fica “uma arara” quando vejo brasileiro falar mal do Brasil para se sentir alguém na terra do Tio Sam. Se o cara estava ralando, pegando pesado, na pindaíba no Brasil e veio para cá e se deu bem, melhorou de vida, eu até fico calado. Mas não aguento gente de classe média-alta que fez grana lá e veio gastar o dinheiro aqui, falar mal do Brasil. Também não tenho muita paciência com músico que detesta o Brasil, fala mal da cultura, mas toca música brasileira para ganhar a vida. Não nego os problemas existentes no Brasil. Acho que tentar ganhar a vida lá é barra pesada, mas embora americano naturalilizado, nunca deixarei de ser brasileiro de verdade. Até escrevi um texto para um concurso que teve aqui em Miami sobre o tema “Por que tenho orgulho de ser brasileiro?” mas acabei nao submetendo… Um dia desses mando uma cópia pra você. Cada vez que vou a São Luis, sair de lá fica mais dificil.
Voce está oficialmente convidado para ir até lá comigo na minha próxima viagem. Garanto que vai voltar com milhares de fotos e com o coração renovado.
:-)

4 comentários:

Anônimo disse...

Paul, boa entrevista e adorei a musica.
Parabens.
Abs.
Gorete

Anônimo disse...

Melodioso e legal.

Silvio Lance

Anônimo disse...

Paul!!!
Que entrevista, hen?
Beleza!!!!
bjs
Roseane

Anônimo disse...

Paul
esta foto ai do flautista, o Danuzio, cara que linda!
O som dele é tudo de bom.
Adorei.

Ralph

ps.manda vê!