11/11/2009

BOSSA NOVA DA GEMA

Carlos Lyra

foto Magda Botafogo

Hoje faz um ano que iniciei a sėrie “Saudosas Bolachas”. A pesquisa que faço de discos interessantes produzidos nos anos 70 no Brasil.
Para comemorar apresento aqui uma entrevista que fiz com Carlos Lyra no mês passado.
Carlos Lyra, um dos criadores da Bossa Nova fala sobre Bossa Nova, seus parceiros, seu processo criativo, novo album, a situação política do Brasil, astrologia (já escreveu dois livros sobre o assunto), Lobão (roqueiro que criticou a Bossa Nova),do BossaCucaNova e outras coisas mais.
Convidei Antonio Adolfo que ė ligado ao Carlos Lyra desde o início de sua carreira para fazer uma apresentação.
Desfrutem o texto, a entrevista e algumas das lindas canções deste finissimo compositor e cantor, da Terra Brasilis, Carlos Lyra.
Um Bossa Nova da gema.

“Carlinhos Lyra é, sem dúvida, um dos maiores compositores brasileiros.
Costumo dizer que sou um grande privilegiado na música, pois tive, como padrinhos na minha carreira, Carlos Lyra e Leny Andrade. Trabalhei com os dois na época em que me comecei.
Com Leny, foi so em 1964 no show Estamos Aí (quando a acompanhava com meu trio, o 3-D, batizado pelo proprio CL, poucos meses atrás), um show no Beco das Garrafas, Rio, e alguns Festivais de Bossa Nova, no Rio e em Sao Paulo. E ela foi pro México. Rodou (e roda) mundo, mas nunca mais tive a oportunidade de reencontrá-la num palco ou num estúdio. Só abraços e aplausos meus para ela, por onde a vejo e encontro. Grande cantora, diva da nossa música.
Com Carlinhos foi no Pobre Menina Rica (verão de 63/64), no Teatro de Bolso, no Rio.
No entanto, tive o privilégio de reencontrá-lo em vários outros momentos: no disco Bossa Lyra, lançado primeiramente no Japão e, depois, no Brasil. Produzi, fiz os arranjos e toquei no disco inteiro. Foi uma experiência maravilhoisa gravar – com o autor – aqueles clássicos todos de sua autoria e parceiros ilustres, da BN, da musica popular brasileira. Logo depois, fiz os arranjos, e o Menescal produziu – espero que a memória esteja boa – o LP Carioca De Algema, com as outras canções do CL, as que ele fez depois do período da BN, quando viveu no Exterior e, depois, voltou ao Brasil. Não mais as canções que todo mundo conhecia, mas as inéditas, feitas também com ilustres parceiros, e tão lindas quanto as Minhas Namoradas, Primaveras e tantas outras da BN. Mas aí esbarrou-se no desafio de lançar coisa inédita, quando procura-se somente o conhecido e tenta-se fechar os olhos ou, melhor, os ouvidos para o novo. E não havia um Movimento como o da BN, ou mesmo a recente comemoração dos 50 anos da BN. O disco ainda não teve o êxito que as canções merecem. E foi muito bom saber que será relançado. Tomara que com toda a força que merece.
Na época em que gravamos o ‘Carioca De Algema” trocamos ideias sobre um livro de harmonia que ele estava escrevendo e, depois, lançou. Muito bom o livro, por sinal. Participei tambem do belíssimo show dos 50 anos de carreira dele, que virou um DVD, lançado no Brasil ha poucos anos. E tive a participação dele também na homenagem que recebi ano passado, no Prêmio Petrobras – Rival BR, que dediquei a alguns que foram super importantes na minha carreira de músico. E Carlinhos nao podia deixar de estar. E encerramos o show, eu e ele, com os demais artistas e o publico cantando suas canções tão lindas.
Conheço boa parte de sua obra e sou seu amigo, super admirador, fã de carteirinha e estarei sempre na primeira fila para aplaudi-lo. Tom Jobim ja dizia que CL era (e é) o maior melodista da BN. Concordo plenamente e acrescento que, na harmonia também não fica atrás, tampouco nos outros elementos da música que possam existir....
Salve Carlos Lyra!!!!
Antonio Adolfo
Novembro/2009
Miami, FL

“Primavera” (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes)



Paul : Carlos Lyra, afinal, o que é Bossa Nova?
Carlos Lyra : Para responde-lo, repito a você o texto que escrevi para “O Globo”. Talvez seja mais fácil começar pelo que Bossa Nova não é. Por exemplo: Bossa Nova não é um movimento, como se costuma dizer. É diferente do Tropicalismo, esse sim, um movimento que até manifesto tinha. Movimento é uma coisa premeditada enquanto que a Bossa Nova seria, melhor pensando, um surto cultural e inteiramente espontâneo surgido nos anos 50, durante uma época de grande desenvolvimento econômico e no governo de Juscelino Kubitschek - o Presidente Bossa Nova - que, se bem não seja o responsável por ela, é uma clara referência da mesma. Esta época desenvolvimentista foi responsável por outros surtos culturais marcantes: entre os artísticos, pode-se citar cinema novo, teatro de vanguarda (Arena, TBC, Oficina e Teatro dos 7), poesia concreta, literatura e artes plásticas. Entre os esportivos, campeonatos mundiais de futebol (1958 e 1962), basquete, box, tênis, salto tríplice, tênis de mesa, pesca submarina etc... É digno de nota o título de Miss Universo concedido à gaucha Yeda Maria Vargas. Entre os industriais, o parque industrial de São Paulo, os automóveis JK, culminando com a construção de Brasília que revela, para o mundo, a arquitetura de Niemeyer, Lucio Costa e Burle-Max.
Bossa Nova também não é samba apenas. Além de ter surgido nos anos 50, com o samba-canção, vive de outros ritmos tais como marcha-rancho, marchinha, baião, toada, valsa e tantos outros.
Bossa Nova também não sofre, unicamente, influência do jazz. Numa conversa com Tom Jobim, chegamos à conclusão de que tínhamos exatamente as mesmas influências do jazz west coast, dos grandes compositores populares norte-americanos, do bolero mexicano e da canção francesa. Entre os clássicos, estávamos de acordo com a influência dos impressionistas Ravel e Debussy, do romântico Frédéric Chopin e, naturalmente, do nosso Villa-Lobos.
A Bossa Nova também não é uma música de geração. Ela é uma música de classe - classe média brasileira que, vinda de todo o Brasil, se concentrava no Rio de Janeiro - na época, capital do país. Música feita, portanto, pela classe média brasileira para a classe média universal. Para comprovar isso, basta verificar a comunicação que a Bossa Nova teve, através desses 50 anos, com várias gerações.
E, finalmente, a Bossa Nova não é uma música de elite, como já se disse. Seria absurdo acreditarmos que cultura é elite. Pode-se ver, por suas influências, que a Bossa Nova é uma música popular de câmera e, portanto, culta. Daí essa identificação – digamos – horizontal, com as classes médias do mundo e nem tanto vertical, infelizmente, com as massas do próprio país de origem.
Depois desses 50 anos de existência do gênero, talvez possamos concluir que enquanto houver classe média, haverá Bossa Nova.


Surto Cultural : Jobim, Vinicius, Boscoli, Menescal e Lyra

Paul: Quando o sr. tinha apenas 20 de idade gravou o disco “Bossa Nova” marco fundamental da Bossa Nova . O sr. tinha naquela ocasião conciência de que estava gravando um tipo de música que modificaria o panorama musical da musica brasileira?
Carlso Lyra: Esta consciência só chegou depois, quando a gente se apresentou no Carnegie Hall em 62.(Bossa Nova at Carnegie Hall). Só nos demos conta do sucesso que a Bossa Nova estava fazendo, quando vimos a platéia do Carnegie Hall repleta de músicos americanos interessados na música que fazíamos. Dali pra frente a BN tomou o mundo.




Paul: Falando um pouco em Astrologia, o sr. acredita que alguma conjunção dos astros favoreceu o encontro de artistas tão valorosos em dado momento do tempo e que resultaram no surgimento da Bossa Nova?
arlos Lyra: Nunca fiz um mapa dessa situação mas acho que os astros, geralmente, influem nas pessoas e não nos eventos, como diz uma antiga máxima da Astrologia: "Destino é caráter." Então é possível que os astros tenham influenciado para juntar essas pessoas.

Paul: sr. acha que nos dias de hoje é propício que surja no Brasil um movimento tão criativo musicalmente como a Bossa Nova?
Carlos Lyra: Antes de mais nada é preciso que haja um panorama não só econômico mas também político, social e cultural como na época do sugimento da Bossa Nova, o que não está acontecendo no Brasil.

“Chora Tua Tristeza” (Oscar Castro Neves/Luvercy Fiorini)


Paul: Como se deu o seu trânsito entre a Bossa Nova e o Centro de Cultura Popular, dos quais o sr. tbm foi fundador? Que influência teve em seu trabalho a seu envolvimento com o CCP e com a música do morro?
Carlos Lyra: No meu caso pessoal, a Bossa Nova, o CPC (Centro Polular de Cultura) e a música de morro, são inseparáveis.

Nara Leao, Silvio Caldas e Carlos Lyra

Paul:. O Centro de Cultura Popular da UNE sofreu grande repressão política e inclusive teve o seu teatro incediado. Que repercussão este fato teve em sua vida?
Carlos Lyra: A sensação que tenho, é de um grande trabalho desperdiçado e da instauração de um clime de mediocridade que perdura por mais de 30 anos, isto é, até os dias de hoje.

Paul:. Falando em política, o sr. passando o que passou nos anos 60/70 com a ditadura militar; como o sr. vê a cara deste nosso Brasil nos dias de hoje?
Carlos Lyra: Nós estamos colhendo os frutos da medicridade implantada na época da ditadura militar.

Paul: Foi difícil ter vivido seu auto-exílio nos Estados Unidos e no México?
Carlos Lyra: Apesar das gratificações e das informações colhidas no estarngeiro, no exílio, diferentemente de uma viagem turística, é altamente diluente.

Paul: Como foi que o seu econtro com o saxofonista Paul Winter com quem gravou um disco e com o Stan Getz? Como foi gravar e trabalhar com músicos de outra escola e cultura?
Carlos Lyra : É sempre enriquecedor trocar informações com pessoas, no caso músicos, de outras culturas. O Paul Winter eu conheci no dia do concerto do Carnegie Hall em 62 e depois me propôs um projeto de gravar no Rio, um disco com produção de John Hammond (pai), pela Columbia Records. Quanto a Stan Getz, durante a minha estada em NY, foi que recebi uma proposta dele para trabalharmos juntos. ( As viagens com Stan Getz pelo Japão, Canadá, México...., estão amplamente descritas no meu livro) (http://www.carloslyra.com/)

“Você e Eu” (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes)


Paul: Quando o sr. compôs “Influência do Jazz” o sr. fez uma reflexão bem humorada desta abssorção ou sobreposição do Jazz sobre o Samba, ou vice versa. Como o sr. vê o cenário musical brasileiro atual? É positiva a exposição que o Brasil sofre musicalmente da cultura exterior?
Carlos Lyra: As influências são sempre bem-vindas na medida certa. Quando atuam a ponto de descaracterizar a cultura que influencia, isso é negativo.

“Influência do Jazz” (Carlos Lyra)


Paul: “Minha Namorada” é uma das canções que o você compôs com Vinicius de Morais e que possue um beleza romântica que o tempo não destitue. Como se deu o processo de criação desta canção? Quem foi a musa?
Carlos Lyra: Como de hábito dei a Vinicius a melodia e ele me trouxe a letra pronta. Quando puxou do bolso a letra para me mostrar, estava li também um rascunho da letra de Garota de Ipanema para Tom Jobim. A musa foi Nelita, a mulher de Vinicius na ocasião, que ele veio a raptar para Paris a conselho meu, logo depois.

“Minha Namorada” (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes)


Paul: O que o sr. poderia nos dizer a respeito de outros parceiros que o sr. teve como o Ronado Boscolli, Geraldo Vandré e o Nelson Lins e Barros?
Carlos Lyra: Esses três foram meus parceiros expressivos, antes de conhecer Vinicius de Moraes. Bôscoli, sobre tudo, que para mim é o reporter da BN, enquanto que Vinicius é o poeta. Vandré já tem um aspecto mais político. Nelson, irmão do Ministro João Alberto, era também secretário do Centro de Pesquisas Físicas do Rio de Janeiro.

“Ė Tão Triste Dizer Adeus”(Carlos Lyra/Nelson Lins e Barros)


“Quem Quizer Encontrar o Amor” (Carlos Lyra/Geraldo Vandrė)


“Se Ė Tarde Me Perdoa” (Carlos Lyra/Ronaldo Boscoli)


Paul: O sr. tem algum comentário a faser de um frase como esta do músico Lobão : “A bossa já não é tão nova, como pensam os americanos” contida na sua música “Ao Mano Caetano”?
Carlos Lyra: Lobão é uma pessoa doce mas que usa a mídia, qual um falastrão, para provocar respostas e aparecer. Comigo sempre foi muito delicado e uma vez ao gravar VOCÊ E EU para meu Songbook, me ligou pedindo desculpas pelo resultado por não ser a praia dele. A Bossa não é tão nova, mas também não é velha. É apenas tradiconal e ainda moderna porque a BN é a música popular brasileira que virou um clássico.

Mestres: Jobim e Lyra

Paul: Como o sr. vivenciou todas estas comemorações em torno dos 50 anos da Bossa Nova?
Carlos Lyra: Aproveitando o espaço e trabalhando intensamente pelo mundo a fora. O difícil é sempre a viagem de avião. O que eu gostaria mesmo é de ser teletransportado.

Paul: Como foi participar do documentário “Coisa Mais Linda”?
Carlos Lyra: Fui co-produtor, roteirista expontâneo e ator. Foi ótimo poder escolher onde gravar e o que tocar e improvisar o que falar. Tivemos, eu e Roberto Menescal, total liberdade de contar nossas histórias e depois a gratificação de ver o trabalho de edição primoroso do Paulo Thiago.


“Coisa Mais Linda” (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes)

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Paul: O que sr. acha de remixes que fazem de sua obra como no caso do BossaCucaNova?
Carlos Lyra: Acho uma ótima maneira de fazer chegar a minha música aonde eu não chego.É uma maneira de divulgar entre os mais jovens que, depois, vão buscar conhecer o original e seus autores.

Paul: Hoje é possível encontrar o seu trabalho disponível na Internet para baixar gratuitamente. O que o sr. pensa a respeito?
Carlos Lyra: É como trabalhar o mês inteiro e não receber salário. O compositor vive de sua obra. É a única coisa que ele tem pra vender. Acho muito injusto um artista ter que trabalhar até morrer porque não ter mais os seus royalties que seriam a sua aposentadoria.

Paul: O sr. pretende lançar algum trabalho em breve, ou, esta envolvido em algum projeto desta natureza?
(foto:Livio Campos)
Carlos Lyra: Estou preparando o relançameto do album “CARIOCA DE ALGEMA” que comprei da EMI. É um disco de inéditas que lancei na noite em que o Tom Jobim morreu. Depois desse triste acontecimento a midia não tinha espaço para falar de meu disco e então ele ficou guardado e só foi feita a tiragem inicial. Agora pretendo lançar pelo meu selo. É um disco com músicas para o Rio de Janeiro e acho que o Rio merece esse carinho.

“Marcha da Quarta Feira de Cinzas” (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes)


“Rancho em Branco e Preto”(Carlos Lyra/Ronaldo Boscoli)

6 comentários:

pituco disse...

paul,

piramidal...só isso!

entrevista e as músicas postadas...lindo ouvir o público cantar junto com o sr.carlos lyra...inclusive, cantei pacas 'primavera' e 'coisa mais linda', ambas com o poeta,vinícius de moraes...

o sr.carlos lyra é um dos grandes melodistas da nossa canção popular.

parabéns pela publicação
abraçsons pacíficos

Anônimo disse...

Tiro o meu chapėu para o Carlos Lyra e para o seu blog.
Está tudo muito bom mesmo.
Parabens.

Francisco Viny

Anônimo disse...

parabéns,pelo primeiro ano de seu blog!é de muito bom gosto,bastante elucidativo(eu aprendo bastante,coisas que ouví e viví,mas ,sem saber muito de ninguém).Carlinhos Lyra sempre personificou um músico classe A,mas de uma leveza e poesia bastante confortantes.Ele sempre nos leva para algum lugar gostoso,ou,como que a zona sul do Rio(este éo milagre da arte!)...
Seu trabalho é impecavel,Paul.Coisa de canceriano,mesmo.Sou Libra.E o Lyra?abraços.

Paul Constantinides disse...

pituco
obrigado pelo comentahrio.
eh bom ver vc "around again"
sem duvida o Carlos Lyra
eh um melodista e tanto.
super pacifico e romantico.
abs
sonidos
paul

Paul Constantinides disse...

Francisco
tiro o meu chapeu por sua visita
ao meu blog.
obrigado
paul

Paul Constantinides disse...

rotten
na verdade eh aniversario da Sehrie Saudosas Bolachas, o blog esta completando quase dois anos....custei definir a sintonia das Saudosas..mas esta valendo a pena...
o Carlos Lyra nasceu no dia 11 de maio de 39, acho que eh Touro...risos
nao sou muito bom nisto.

agora, a musica dele nos conduz a lugares maravilhosos..sentimentos rebuscados dentro de nohs..sem duvida amigo.

obrigado pela visita e pelo comentario.

abs
paul